O indivíduo com necessidades educacionais especiais (deficiência mental) e a casa espírita
Por Marcus Vinicius de Azevedo Braga
1. Introdução:
De todas as necessidades educacionais especiais: a deficiência visual, auditiva, motora… dentre todas o grande nó da aprendizagem está na questão da Deficiência Mental, pois afeta diretamente a questão cognitiva e não os caminhos da sua construção. Durante séculos o deficiente mental foi confundido com o doente mental, associado a possessões demoníacas e restrito ao convívio social. Nos dia de hoje, ainda existem famílias que insistem em manter seus entes deficientes mentais isolados do convívio social normal, como a escola e o lazer. Vale relembrar que a deficiência mental está representada em uma série de síndromes, na sua maioria fruto de alterações genéticas, que afetam o lado cognitivo do indivíduo na sua fase inicial, como a síndrome de Down, Triplo X e outras . O doente mental é um indivíduo que adquire uma doença, muitas vezes por pressões psicológicas extremas, que atinge o seu lado afetivo, como as psicoses e a esquizofrenia. O nosso objetivo neste artigo é discutir a importância do nosso irmão deficiente mental freqüentar a Casa Espírita e como esta pode se preparar para recebê-lo.
2. A importância:
Quantas vezes ao observarmos uma família ou uma professora em contato com um indivíduo com deficiências cognitivas, ouvimos a célebre frase: “Não sei por que ensinar, pois ele não aprende nada”. Nós, que raciocinamos no paradigma espírita das múltiplas existências, não podemos nos deixar levar por essa idéia. O fato é que aquele espírito nem sempre foi assim e nem sempre será e se ele reencarnou com essas dificuldades é devido a uma necessidade de superação que ele tem para essa existência, ainda que seja curta. Como negar a ferramenta que é o espiritismo para o progresso e compreensão da vida para esse espírito. A compreensão destas verdades poderá aliviar a sua revolta ou mesmo fazer de suas reflexões, em espírito, salutares para as próximas encarnações. Como privar este indivíduo do convívio social, única forma de crescimento apresentada pelos espíritos quando rechaçam o isolamento em O Livro dos Espíritos1. Como privar os outros da convivência com alguém só por que este outro é um pouco diferente. Se não convivermos nos ambientes comuns, como esperar que sejam rompidos esses muros de separação entre os indivíduos com alguma deficiência, que vem de séculos. Colecionamos vários casos na literatura pedagógica5 de pais que exigiram a saída do aluno com necessidades especiais da escola regular por medo e incompreensão. Apesar deste convívio ser amparado por lei, a questão transcende, pois nenhuma lei irá convencer as pessoas desse entendimento.
Quando observamos em nossa Casa Espírita no Rio de Janeiro que apesar da Casa possuir mais de mil freqüentadores, não conhecíamos nenhum indivíduo com necessidades especiais que freqüentasse a Casa, contrariando qualquer estatística, iniciamos assim um atendimento voltado para o especial durante o horário da evangelização e muitas crianças apareceram a partir deste momento. Mas, era inegável os olhares de medo e apreensão dos outros pais ao verem aquelas crianças participando junto de seus filhos. Mas, como na vida o costume é o imperativo, com o decorrer do tempo os mitos foram sendo derrubados e aos poucos os olhares já foram se “normalizando”.
Desse modo, é inegável que o atendimento ao indivíduo com necessidades especiais (Digo atendimento no sentido pedagógico) deve existir na casa espírita, para que ele tenha acesso aos conhecimentos da nossa doutrina consoladora, como a todos é garantido nas palestras e outras atividades. Muito nos preocupamos em relação a esses indivíduos no seu atendimento fonoaudiológico, fisioterápico, médico e social. Em relação a questão da assistência, que muitas vezes está associada, a casa espírita pode prestar este serviço como presta tantos outros. Mas, a questão sempre olvidada é o pedagógico, o aprendizado dos conceitos da doutrina espírita. Essa é a lacuna a ser preenchida. Mas, que conteúdos e quais estratégias devem ser utilizadas?
3. O currículo:
As escolas de Evangelização, de um modo geral, seguem as diretrizes curriculares emanadas pela Federação Espírita Brasileira através do “Currículo para as Escolas de Evangelização Espírita Infanto-Juvenil4” e utilizam apostilas de diversas procedências, inclusive de federativas estaduais. No caso do indivíduo com necessidades especiais, o Conteúdo é o mesmo dessas diretrizes, diferindo em especial nas abordagens e estratégias didáticas. Um indivíduo com restrições cognitivas, que geralmente traz associado restrições motoras, deve apreender os conceitos de forma concreta e lúdica, utilizando das metáforas das histórias e a concretude das sensações. No trabalho da questão da reencarnação, de fundamental importância, pode-se tratar da questão da chuva e da água , usando o algodão como nuvem e a água como água mesmo. Após tomar contato com o vapor (Pode ser usado um nebulizador doméstico), falamos do ciclo da água e falamos depois do ciclo da vida. Para a criança, comparativamente a questão da chuva, vai ficar a idéia de ciclo, de renascer, o que já leva a reencarnação. Neste ponto deste artigo, o prezado confrade que tem mais contato com essas questões afirmará: “Ora, isso é muito fácil com uma criança com um nível de compreensão alta. Mas, eu quero ver resultados nos casos mais severos!” Realmente, o confrade tem razão. Existem síndromes que o nível de apreensão mediante estimulação é bem alto. Quando vemos na publicidade falar da deficiência, sempre nos mostram o lado menos severo da questão. Pois aí que entra o diferencial espírita. Os mais severos são também espíritos e apesar dos profissionais dizerem que aquela determinada síndrome somente permite o desenvolvimento até determinado ponto, em um determinismo biológico, devemos acreditar, consoante com as idéias atuais da ciência da aprendizagem do grande educador Vigotzky3, que o indivíduo irá aprender se for apresentado aos elementos do mundo com maior constância e cada vez mais cedo. A diferença é somente na velocidade que esse processo ocorre, quando se trata do deficiente mental. Um olhar, um pequeno gesto depois de muito tempo revelam que conceitos foram aprendidos. Quem está acostumado a trabalhar com esses espíritos, sabe a profundidade dessas palavras.
Assim, não podemos deixar de acreditar no potencial desses indivíduos e de insistir com eles para o aprendizado e reflexão desses conhecimentos espíritas, usando as somente seu esforço em aprender. O esforço por parte do Evangelizando vai ocorrer se as condições de favorecimento ao aprendizado surgirem.
4. 4-Estrutura:
Um dos problemas da humanidade, causador de guerras e conflitos é o radicalismo. Ao constatarmos alguma coisa nova, assumimos muitas vezes posturas radicais, ignorando que ” a natureza não dá saltos”. Isso acontece em relação a questão da inclusão dos deficientes. Um dia concluímos, após séculos de segregação, que o nosso mundo não era um lugar inclusivo – Um salto para a humanidade – Em se tratando de mundo, inclua-se as ruas, o comércio, as escolas, a fábrica, as igrejas. Daí partimos para um processo extremamente salutar de descobrir esses indivíduos na busca de incluí-los na sociedade. Outrossim, devemos ter claramente que essa inclusão é um processo e que não será do dia para a noite que mudaremos estruturas sociais seculares.
Digo isso, pois muitos acham que incluir o aluno deficiente na sala de aula é colocá-lo no mesmo ambiente físico e enquanto a aula acontece, ele fica lá no seu cantinho, incluído fisicamente e não cognitivamente. Penso que devemos assumir um modelo de transição gradativa com objetivos. Inicialmente, após identificar as crianças que trazem deficiências cognitivas (e não as crianças agitadas ou indisciplinadas), deve-se no mesmo horário da evangelização, com uma equipe um pouco mais numerosa e com a participação inicial das mães, iniciar a evangelização. Músicas e atividades comemorativas teriam a participação de todos juntos, mais na hora da troca do conhecimento, uma visão mais individualizada para os que trazem esta dificuldade traria a estes uma maior aprendizagem. Posteriormente, deve-se aumentar a integração com as outras turmas e aqueles que já ser incluídos, sem prejuízo na questão cognitiva de um modo geral, devem ser transferidos. Duas questões práticas se apresentam neste aspecto. Primeiro: Não adianta pegar um indivíduo com uma deficiência severa e que nunca foi a escola ou teve outros estímulos na família e pensar que ele vai se adaptar a uma classe de evangelização . Esse é um processo lento e que não pode violentar o indivíduo. Segundo: Não existe na aprendizagem o conceito “ele tem uma mentalidade de quatro anos”. O alunos tem uma deficiência cognitiva, mas seu corpo se desenvolve naturalmente. Então, achar que por que o jovem tem uma deficiência cognitiva e que ele vá gostar apenas de temáticas infantis é um engano. Eles vêem novelas , gostam de músicas como outro adolescente qualquer, pois é assim que ele se vê no espelho. Então, não adianta colocar este indivíduo nas turmas dos pequeninos para fazer atividades infantis. Deve haver uma destinação por turma associando os fatores cognitivos e a idade cronológica, não dispensando o acompanhamento de um evangelizador nesta passagem para uma nova turma inclusiva. Preconceito se difere de previdência no trato de questões do ser humano.
Também faz-se mister uma estrutura de estudo de literatura espírita afim e de troca de impressões, podendo inclusive contar com a presença dos pais. Atividades que envolvam expressões artísticas são salutares no desenvolvimento dos conceitos e o acompanhamento de casos obsessivos junto a reunião pertinente na Casa é fundamental.
5. A casa:
A nossa sociedade está caminhado ainda rumo a inclusão. Ao contrário da Europa e dos Estados Unidos, nossas ruas não tem rampas, nossos locais públicos são repletos de escadas e nossos sanitários não são adaptados. Assim como as casas espíritas estão inseridas nesta sociedade, elas também padecem dessa estrutura não-inclusiva: Salões com escadaria e sem rampa, sanitários sem adaptação, acessos apenas por escadas e até a falta de literatura espírita sobre o assunto e eventos/artigos que tratem dessa questão mais amiúde. A iniciativa de adaptar a nossa casa espírita para que todos possam dela usufruir é fundamental e incluir no projeto de reforma ou construção essas questões resolveria um pouco este problema. Também incentivar palestras, artigos e painéis nas atividades de evangelização que capacitem o pessoal é importante para que essas pessoas não sejam esquecidas, independente das instituições assistenciais espíritas voltadas para esse fim.
6. Conclusão:
Com certeza, em nossa casa espírita ou município, existem diversas famílias espíritas que tem integrantes com necessidades educacionais especiais, principalmente na questão da Deficiência Mental. Eles estão na Casa espírita? A casa espírita está atendendo eles de forma adequada? Se observarmos bem, veremos que fora das escolas especiais e clínicas, nós ainda estamos engatinhando na presença dos nossos irmãos na casa espírita e lembrando as palavras do Mestre Jesus2, que nos faz pensar nos pequeninos sem distinção, verificamos que a seara é grande, necessitando cada vez mais de trabalhadores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. KARDEC, Allan. O livro dos espíritos, FEB.
2. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o espiritismo, FEB.
3. OLIVEIRA, Martha Kohl de. Vigotzky – Aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio-histórico- Editora Scipione- São Paulo-2001
4. ROCHA, Cecília- Currículo para escolas de evangelização Espírita Infanto-Juvenil, FEB, 1998.
5. WERNECK, Cláudia- Ninguém vai ser bonzinho na sociedade inclusiva- WVA- Rio de Janeiro-1997
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